quarta-feira, 29 de maio de 2013

Um favor, por favor.

A pessoa escolhe pedir ajuda para quem muitas vezes não pode ou não consegue ajudar. Na verdade, elas não escolhem, elas encontram. Encontram a chance de conseguirem o pouco do pouco que o outro tem. Elas preparam discursos (uns interessantes, outros que ninguém sequer escuta) e passam através de suas falas a angústia que é conviver com nada para aqueles que ainda tem algo a se considerar. Elas tentam mostrar que estão perdidas no meio de outros que conseguiram se encontrar, mesmo não gostando daquilo que encontraram, mesmo estando arrependidas de terem ido ao encontro daquilo que aceitaram encontrar. 

Conseguem, muitas vezes, mostrar para as outras pessoas o quanto está melhor ali, com todos sentados, mesmo sem estarem olhando para os lados. Transmitem para elas que ficar daquele jeito é melhor do que regredir, porque a ideia de progressão até pode estar em suas cabeças, mas por medo de algum dia se encontrarem naquele estado que aqueles coitados se encontram, deixam de lado esse pensamento babaca que talvez só as levem à desconstrução, mas na verdade não têm ideia do que seria progredir, do que seria desconstruir. 

E alguém se recusa a ajudar, e muitos se recusam a olharem na cara desses pobres e infelizes. E muitos carregam consigo seus motivos, os quais um só pessoa tem a ousadia de encontrar tais justificativas: "Deve ser porque ele acha errado fazer esse tipo de coisa, pois não se sabe para onde irá essa miséria que lhes foi dada"; "Com certeza esse esquecido deveria estar sendo ajudado pelo governo, isso é culpa do sistema político, eu nada tenho a ver com isso, me desculpe"; "Eu não estou nem um pouco incomodada com a situação que você está vivendo, meu filho, não me toca porque se depender de mim você morre"; "Eu não dou porque mal consigo arranjar algo pra mim. Aí, se consigo alguma coisinha já tem dez pedindo aquilo que suei para conseguir!"; "Não dou porque tenho pouco, quando tiver muito quero ajudar muitos, mas agora não posso e não devo". 

E assim vão os pensamentos nos motivos que ela consegue encontrar para o pedinte e para aquele que se recusa a dar ou até mesmo ouvir o seu pedido. 
De repente entra um: "Pessoal, estou aqui para pedir dinheiro para vocês porque acabo de sair do Hospital de Base com minha filha e minha esposa e não tenho dinheiro para pagar um lanche para elas. Sou de Rio Verde - Goiás. Por favor, quem puder me ajudar, agradeço." E nesse dia algumas pessoas ajudaram. 

Talvez seja porque as palavras daquele homem juntamente com sua expressão colaboraram. Talvez porque muitos já estiveram em um lugar por muitas horas e passaram fome sem ter ninguém para oferecer-lhes um prato de comida. Pode ter sido também pelo fato de estar sendo envolvida uma criança na história. Talvez muitos já se sentiram desamparados quando perderam alguma e não tinham para onde correr e viram-se naquele momento diante de alguém que pode não ter perdido, e sim nunca encontrado. 

Aquela pessoa que ficava a interpretar os "nãos" dos outros hoje também ajudou, e ajudou o outro a ajudar. Chegou à conclusão que às vezes não tem jeito, pois elas te pegam de surpresa. E viu que o homem saiu do ônibus e realmente estava na rodoviária com a filha e sua mulher, porque ela, diferente dos outros que deram e continuaram olhando para frente, estava olhando para os lados, como de costume. 

terça-feira, 7 de maio de 2013

Interpretações



Eu escrevo no pensamento
Ele pensa em escrever
E vendo que eu leio
Pensa em escrever algo que também possa ler
Assim, pega seu caderno para escrever
Ou seria para ler? 

Não, não queria ler
Queria mesmo era escrever
Mas escrever o quê?
Sobre as pessoas que ali estavam?
Sobre algo que tinha pensado?
Sobre mim ou sobre você?

Não me interessei em tentar enxergar
Aquilo que ali escrevia
Não queria atrapalhar
Não queria fazer ele deixar de colocar no papel
O que havia descoberto
E que em alguns instantes no caderninho colocaria

Eu lia
Ele olhava
Eu olhava
Ele escrevia
E assim fomos andando
Traduzindo de nossas maneiras aquele mundo louco que a gente via